RECOMENDAÇÕES IMPORTANTES - VIVENDO COM HEMOFILIA
Pais que têm filhos com hemofilia devem tratá-los da mesma forma que tratam as crianças sem hemofilia: com regras, limites claros e sem regalias em função da coagulopatia. No entanto, alguns cuidados adicionais são necessários, sobretudo para aqueles que têm hemofilia grave ou moderada, e para as crianças bem pequenas, que ainda não aprenderam a expressar a dor e a reconhecer o início de um sangramento.
Os pais e cuidadores devem observar, na criança, quando estiver vestindo-a ou dando banho:
- Se há inchaço ou manchas roxas na pele em alguma parte do corpo;
- Se os braços e pernas estão iguais em tamanho e se dobram e esticam da mesma forma;
- Se há algum músculo ou articulação contraído ou inchado e se este membro está dolorido ou de difícil movimentação;
Nas circunstâncias diárias, devem notar também:
- Se ele se movimenta de modo diferente, parecendo poupar alguma parte do corpo, como braço ou perna;
- Perdas de sangue pela boca;
- Sangue nas fezes ou urina;
- Perdas de sangue nasais frequentes;
É importante ensinar a criança a reconhecer, aos pouco, os sinais de um sangramento e a avisar aos familiares, sempre que sentir qualquer dor ou incômodo, para que as medidas preventivas (infusão de fator de coagulação, compressas de gelo e repouso) sejam tomadas tão logo sejam notados indícios de sangramentos.
Aos poucos, a criança é capaz de compreender quais são os sinais de um sangramento e também aprende a distinguir as situações mais graves das menos graves.
Aos pais e cuidadores cabe aprenderem a aceitar e lidar com todos os aspetos que envolvem a hemofilia e nunca brigar ou reclamar com o filho quando um sangramento ocorrer.
É natural que os pais, principalmente a mãe, se sinta culpada em relação à doença do filho, mas o sentimento de segurança dos pais é o que fará com que a criança desenvolva uma boa relação com sua condição e seu tratamento.
A hemofilia é uma condição que atualmente tem tratamento preventivo no Brasil, diferentemente do passado, e não limita mais a vida das pessoas.
É uma condição, que exige alguns cuidados adicionais porém permite uma vida com qualidade, se o tratamento adequado for iniciado na infância e os cuidados forem mantidos.
O momento da infusão do fator de coagulação deve ser encarado com o máximo de naturalidade possível. Apesar de não ser agradável fazer uma infusão endovenosa, nem mesmo para adultos, este é o único tratamento eficaz disponível no país, até o momento, para as pessoas com hemofilia. E o desconforto da infusão é muito pequeno se comparado à dor dos sangramentos e das artropatias que estes causam.
Aos pais e cuidadores, é importante que se familiarizem com o momento da infusão, desde quando esta ocorre no Centro de Tratamento de Hemofilia (CTH), para que a criança se sinta segura. A criança deve ser envolvida pelos profissionais do CTH e pelos familiares em todo o processo de administração do fator. Desde o momento de abrir as caixinhas, escolher a veia na qual será feita a infusão, decidir se ela quer ficar sentada no colo da mãe, do pai ou sentada sozinha até que, aos poucos, seja capaz de aprender a realizar a auto infusão.
Durante o processo, o local deve ser preparado de forma a torna-lo o mais agradável possível para a criança. Ela pode ser distraída com um ou alguns brinquedos e pode cantar sua música predileta.
A criança deve ser ensinada a viver com hemofilia com naturalidade. Ela deve sentir que forma uma equipe juntamente com os pais e com os profissionais de saúde e que juntos poderão tornar todo o processo mais fácil para todos.
Enquanto um cuidador ainda não está apto a realizar a infusão na criança, se o centro de tratamento for longe da residência desta, ele deve solicitar aos profissionais do CTH que contatem e orientem seus colegas da Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima do domicílio da criança para que possa realizar seu tratamento.
Assim que um dos cuidadores se sentir seguro, deve solicitar aos profissionais do CTH que o ensine a fazer a infusão, para que esta seja feita em domicílio. Isso vai facilitar muito o tratamento e amenizar a carga do tratamento, tanto para a criança, quanto para a família, além de melhorar o prognóstico, pois a infusão do fator deve ser feita preferencialmente até 2 horas após a ocorrência do sangramento.
Quando a infusão do fator é feita na casa do paciente, as crianças tendem a se sentirem mais tranquilas e a lidarem de modo mais sereno com o tratamento.
É importante seguir todas as orientações dadas pelos profissionais do CTH no momento da infusão domiciliar e realizar o treinamento e a reciclagem para infusão, sempre que solicitado pelo CTH.
DICAS PRÁTICAS SOBRE TRANSPORTE E ARMAZENAMENTO DO FATOR:
O transporte e armazenamento dos fator de coagulação deve ser feito em caixa de isopor ou bolsa térmica, com sacos de gelo ou gelo reciclável.
O fator deve ficar armazenado na geladeira entre 8° e 25° C.
Em casa, os frascos de fator devem ser colocados em uma caixa ou saco plástico, antes de serem postos dentro da geladeira, para mantê-los isolados dos alimentos.
O material utilizado – seringa, escalpe e frascos vazios- são considerados lixo hospitalar e devem ser descartados de forma adequada em ambiente hospitalar. Por isto, devem ser mantidos em recipiente rígido e tampado para evitar perfuração/ contaminação, até serem entregues de volta no CTH para envio ao lixo hospitalar.
A criança com hemofilia precisa aprender a lidar com fatores estressantes desde cedo. A dor, os sangramentos, os períodos de repouso, a incerteza em relação aos episódios de trauma e as infusões intravenosas são situações próprias da hemofilia, às quais as demais crianças em geral não estão sujeitas.
É natural que, para enfrentar situações de risco, a criança com hemofilia reaja com ansiedade. Neste momento, a ação dos pais pode aliviar ou aumentar os problemas relacionados à hemofilia.
É importante que os pais, tratadores e demais familiares, quando possível, aprendam a ajudar a criança a desenvolver sua autossuficiência e sua capacidade de evitar riscos desnecessários, ensinando-a também a controlar seus medos.
A família deve, também, estar ciente das interações da criança com seu ambiente e das circunstâncias onde sua tolerância à frustração, sua capacidade de suportar a dor e o seu auto-controle em relação aos riscos crescerão, para que possa ajuda-la.
A ansiedade dos pais influencia na maneira com a qual criança enfrenta a própria hemofilia e o seu tratamento. Se os pais reagirem com medo, a criança o seguirá como exemplo.
Quando os pais aprendem a aceitar a incerteza – com informações adequadas sobre o tratamento e usando métodos para acalmarem a criança – então serão capazes de ajudar seu filho a ter força e enfrentar as situações com cada vez menos ansiedade e mais naturalidade.
É muito importante que os pais aprendam a enfrentar a incerteza e o desconhecido, mostrando ao filho um modelo mais sereno e adaptável para confrontar as situações difíceis. Aprender a lidar com os problemas é um processo que cresce com a interação entre pais e filhos.
A superproteção dos pais, devido ao medo de um acidente que possa resultar em sangramento, pode fazer com que a criança se sinta temerosa e incapaz de tomar conta de si mesma. Por outro lado, a permissividade excessiva pode fazer com que ela seja colocado sob mais risco.
O desafio dos pais, ao educar uma criança com hemofilia, é contribuir para a auto-consciência desta, de modo que ela compreenda que precisa se cuidar de forma diferente das demais crianças, mas isso não significa que ela seja “diferente” quando comparada às outras crianças.
A auto-estima elevada dos pais fará com que a criança seja mais resistente aos sentimentos de insuficiência e aumenta a probabilidade de uma melhor aceitação das auto-limitações ligadas à desordem.
A aceitação psicológica da hemofilia, tanto pelos pais, quanto pela criança, é o fator que favorecerá a resolução dos problemas que surgem no ambiente da família por causa da hemofilia.
Outro fator importante é a capacidade dos pais de incentivar a auto estima e a autonomia dos filhos. A boa sustentação familiar permite que as crianças construam suas próprias habilidades e se expressem com confiança.
A criança deve ser ouvida na tomada de decisão que a envolve Pedir sua opinião, ouvir lhe e firmar acordos, levando em consideração seus sentimentos, – ao invés de apenas dizer lhe o que fazer – permite maior desenvolvimento de suas habilidades.
Um clima estável, com regras e limites claros leva a um ambiente previsível e, consequentemente, uma situação sob-controle. Este é um contexto apropriado para que se desenvolva a confiança e a segurança da criança.
É possível que os pais tenham dificuldades para enfrentar todas essas situações com serenidade, sobretudo no momento pós diagnóstico, quando ainda existem muitas dúvidas. Nestas circunstâncias, os pais devem recorrer aos tratadores – psicólogos, enfermeiros, hematologistas – em busca de orientações e apoio. Podem, também, trocar experiências com outros pais de pacientes que já passaram pelas mesmas situações e participar dos eventos da sua associação de pacientes em busca de informações e suporte.
A profilaxia permite, potencialmente, a integração social completa e uma boa qualidade de vida. As crianças com hemofilia podem e devem ser estimuladas em todas as suas potencialidades e podem manter uma visão positiva da vida, desde que permaneçam em tratamento adequado, com equipe de profissionais especializada.
Todos sabemos que a adolescência – período de transição entre a infância e a vida adulta – é uma fase na qual o jovem passa por um processo de maturação física, cognitiva, emocional e social que gera um novo repertório de comportamentos que podem causar estranheza em seus pais e familiares.
Os adolescentes podem pensar e sentir como os adultos. Mas também podem se comportar como crianças. A explicação é neurobiológica: algumas regiões cerebrais responsáveis pela sua auto regulação amadurecem mais tardiamente.
Apesar da atuação do hormônio sexual ser importante na adolescência, o órgão que comanda essas mudanças, inclusive a produção do hormônio sexual, é o cérebro. A última parte do cérebro a amadurecer é o córtex pré-frontal, ou seja, exatamente a região onde se processam os comportamentos conhecidos tipicamente como de adultos. São eles: capacidade de planejamento, concentração, inibição de impulsos e empatia.
Com o amadurecimento do córtex pré-frontal, o adolescente vai se aproximando do mundo adulto, mas isso não acontece de maneira uniforme. Nessa fase, começam a se desenvolver o comportamento auto reflexivo, a auto regulação e o raciocínio, levando a uma maior consciência crítica de si e dos outros. Por isso, o adolescente é mais irritadiço e questionador, diferentemente da criança, que costuma acatar o que lhe é imposto como regra. Como seu cérebro ainda está se consolidando, as oscilações de humor são comuns nos adolescentes, assim como o comportamento reativo. Eles começam a olhar o mundo de forma mais profunda, mas o lado emocional não está totalmente amadurecido. Por isso surgem embates com os adultos e com a família. Além disso, eles são mais impulsivos, reativos e intensos. Percebem as contradições, mas não sabem como lidar com elas de modo adequado.
Se, por um lado, a maturidade emocional do adolescente oscila, é nessa fase também que ele começa a ter a capacidade de tomar decisões, julgar e planejar. É uma região atrás dos olhos, chamada córtex órbito-frontal, que promove a capacidade de usar emoções para nortear decisões e de criar empatia pelos outros. Esta região é uma parte do córtex pré-frontal e é a última a formar-se totalmente. Daí se entende a dificuldade dos adolescentes em planejar, julgar e, principalmente, tomar decisões baseados em emoções de modo amadurecido e adequado.
Outra mudança fundamental ocorre no sistema de recompensa do adolescente: eles precisam de experiências mais intensas, que estimulam mais a liberação da substância dopamina para sentir prazer. Essa circunstância é a principal responsável pela maioria dos comportamentos típicos do adolescente, como a busca de novidades, os excessos (como ouvir música alta, praticar esportes radicais) e o comportamento de risco, que também gera euforia e produção de dopamina. Sem falar na nova e mais importante descoberta: o sexo, cujo prazer só é possível porque o sistema de recompensa se torna sensível aos hormônios que promovem o prazer sexual. É a procura pelo prazer o que move o adolescente a descobrir coisas novas e a buscar independência.
Na adolescência, a causa principal de morte são os acidentes que, em geral, são causados por comportamentos de risco.
Para pessoas com coagulopatias, o risco é ainda maior pois, além do risco real ligado à situação, há o fato de que, se esta pessoa precisa de um atendimento emergencial, há a necessidade de infusão de fator de coagulação imediatamente ou o mais breve possível, em dose adequada e também de uma conduta específica, dependendo do tipo de emergência. E para que esse atendimento exista, é necessário que o paciente esteja identificado como uma pessoa com coagulopatia e tenha doses de seu pró-coagulante disponíveis.
É de fundamental importância que os adolescentes sejam estimulados a manter a profilaxia durante a adolescência, apesar da resistência destes, e que tenham doses e frequência flexíveis, de acordo com sua rotina. É o tratamento que deve ser adaptado à rotina do paciente e não a rotina dele que deve se adaptar ao tratamento. Nesta fase, cabe aos familiares uma dose extra de paciência e colaboração, caso o adolescente tenha preguiça ou não queira fazer as infusões.
Um dos motivos principais do comportamento de risco é a influência do meio social. Os adolescentes são levados a impressionar os amigos, em busca de aprovação, enquanto também vão se tornando mais independentes dos pais.
O encontro de um cérebro em formação com o comportamento de risco, como consumo de álcool e/ou de drogas, é o ponto de maior vulnerabilidade da adolescência. O risco de dependência é maior, porque o jovem está numa fase de experimentação. Dependências adquiridas podem permanecer durante a vida adulta. As descobertas sobre esse período da vida ajudam a lançar um olhar novo sobre o adolescente e a reconhecê-lo como alguém que não está pronto e que, por isso, precisa ser acolhido e orientado.
O acolhimento e a orientação antes e durante a adolescência realizados, tanto pelos pais e familiares, quanto pelos profissionais da equipe multiprofissional do CTH são fundamentais para que o adolescente não se coloque em risco, mas antes adquira o desejo de compartilhar suas experiências, seus medos e suas conquistas.
O adolescente deve ser envolvido em atividades interessantes para ele, passatempos atraentes e significativos, esportes seguros e outras atividades que permitam focar sua atenção em algo saudável. Deve interagir com outros adolescentes que têm interesses semelhantes aos dele e ser levado a refletir sobre a importância do auto-cuidado e de manter hábitos saudáveis.
Tanto o adolescente com coagulopatia, quanto seus familiares, caso sintam vontade, podem buscar ajuda de profissionais de saúde mental da equipe do Centro de Tratamento da Hemofilia (CTH).
A adolescência é uma fase característica e o cérebro do adolescente apresenta suas peculiaridades. E ambos precisam ser respeitados.
É importante que a própria pessoa com o hemofilia e os responsáveis por uma criança com hemofilia aprendam a reconhecer os sinais e sintomas dos sangramentos articulares, musculares e de sangramentos mais graves que possam eventualmente ocorrer. É importante também ensinar a criança a reconhecer, aos pouco, estes sinais para avisar seus cuidadores ao sentir qualquer dor ou incomodo, para que as medidas necessárias sejam tomadas.
Tenha em mente que esse tipo de sangramento pode ocorrer após uma lesão ou, eventualmente, sem lesão.
Os sangramentos mais graves são os que envolvem:
Cabeça
Sinais e sintomas de Sangramento no cérebro:
Dor de cabeça, problemas de visão, náusea e vômito, mudança de personalidade, sonolência, perda de equilíbrio *, perda das habilidades motoras finas (falta de jeito) *, desmaio * e convulsões * * Estes sintomas aparecem mais tarde no caso de lesões graves na cabeça. Se esses sintomas aparecerem, consulte um médico imediatamente para receber tratamento adequado.
Região do pescoço e garganta
O tecido do nariz, boca e garganta são altamente vascularizados, o que significa que eles contêm muitas veias e artérias. Quando o tecido incha com o sangue, comprime o trato respiratório, dificultando a respiração.
Sinais e sintomas:
Dor no pescoço ou na garganta, inchaço, dificuldade em engolir, dificuldade ao respirar.
Tórax (peito) – pouco frequente
A caixa torácica (tórax) contém pulmões e coração, bem como grandes vasos sanguíneos. Se ocorrer sangramento nos pulmões, os alvéolos, que normalmente contêm ar, se enchem de sangue e a respiração torna-se difícil.
Sinais e sintomas:
Dor no peito, dificuldade ao respirar, tosse, sangue no escarro.
Abdomen (estômago)
O abdomen contém o estômago, baço, fígado e intestinos, bem como outros órgãos. Uma lesão nessa área pode resultar em hemorragia de um órgão ou de um grande vaso sanguíneo. Se a hemorragia não for tratada, pode ser fatal.
Sinais e sintomas:
Dor no abdômen ou parte inferior das costas, náusea e vômito, sangue na urina, sangue nas fezes ou fezes pretas. Se um destes sintomas ocorrer, consulte um médico imediatamente.
Músculo iliopsoas, panturrilhas e antebraços
(por lesão de vasos e nervos devido à compressão):
Sinais e sintomas:
Dor durante o uso normal da articulação ou até em repouso, especialmente se não houver machucado, inchaço e calor na articulação, com ou sem hematomas, mobilidade reduzida da articulação, hesitação para mover a articulação, agitação ou choro quando a criança move a articulação.
Estes sangramentos requerem tratamento imediato, com reposição de fator e acompanhamento médico, e o paciente deve ser levado ao centro especializado de tratamento de hemofilia mais próximo ou a um serviço médico de urgência, imediatamente, informando ser uma pessoa com hemofilia.