PRODUTOS E TRATAMENTOS DISPONÍVEIS NO MUNDO

O tratamento da Hemofilia têm evoluído ao longo das últimas décadas em todo o mundo. Mas é importante mencionar que, em apenas poucos anos, houve um grande avanço nesta área, com diversas pesquisas investindo em terapia gênica e em tratamentos de administração por via subcutânea, que agem de maneira similar ao fator VIII e ao fator IX.

Até 1930, a hemofilia era tratada apenas com gelo, repouso, imobilização do membro comprometido e analgesia, sendo que somente a partir desta década se iniciaram as infusões  de sangue total para estancar as hemorragias.

A partir de 1940, passou se a fazer a infusão somente do plasma – a parte do sangue que contém os fatores da coagulação – ao invés de infundir o sangue total, diminuindo um pouco o volume de material infundido no paciente.

Vinte anos depois iniciou-se o procedimento de infusão do crio-precipitado, que é um derivado do plasma enriquecido com os fatores de coagulação. Apesar desta evolução, o tratamento ainda era feito em ambiente hospitalar, o volume infundido era muito grande, para que se pudesse obter a quantidade suficiente de fator VIII ou fator IX para estancar uma hemorragia e o risco de contaminação viral também era alto, além do risco de reações alérgicas.

Em 1970, começaram a ser fabricados os primeiros concentrados de fatores liofilizados de coagulação. Este passo representou uma grande evolução no tratamento das pessoas com hemofilia, pois o volume infundido diminuiu muito, minimizando, também, o risco de reações alérgicas e o tempo necessário para fazer a infusão do fator.

Mas na década de 80 surgiu o vírus HIV, causador da AIDS. Quando se descobriu a existência do HIV e seu modo de transmissão, a grande maioria das pessoas em todo o mundo que haviam sido tratadas com plasma ou com medicamentos derivados de plasma, já estavam contaminadas. Grande parte da população com hemofilia foi contaminada, sobretudo nos países onde as pessoas tinham mais acesso ao tratamento. Essa catástrofe traz sofrimento e dor até hoje para muitas famílias e, além do alto preço pago com a saúde e com a vida de milhares de  pessoas, uniu-se à hemofilia o estigma da AIDS. Nenhuma perda foi tão grande a estes pacientes quanto a existência deste vírus. No entanto, desde que começaram a ser utilizados critérios rigorosos na seleção e tratamento do plasma empregado na produção dos medicamentos, o HIV deixou de ser um fantasma para as pessoas que nascem com  hemofilia.

Surgiram, assim, os processos de inativação viral, ou inativação de agentes patogênicos (vírus, bactérias e outros micro organismos) do sangue e seus derivados, que constitui a extinção da capacidade de infecção destes agente, para trazer segurança aos hemoderivados. Essa inativação pode ser realizada por vários métodos diferentes como: temperatura (calor), pela ação de agentes químicos chamados solvente-detergente, que dissolvem o envelope lipídico (de gordura) que envolve certos tipos de vírus ou por nano filtração, que é especialmente efetiva para a remoção de vírus não envelopados que são resistentes aos métodos de aquecimento e tratamento por solvente-detergente.

Na década de 1990, surgiu o primeiro fator de coagulação recombinante, ou seja, começou a ser fabricado em laboratório um produto semelhante ao fator de coagulação derivado de plasma, que faz a mesma função, mas que não é derivado de plasma e sim, produzido tecnologicamente.  O objetivo desta inovação é, além de oferecer um produto quase 100% seguro, poder fabricá-lo em larga escala, sem a dependência da doação de sangue para sua produção. Este fator recombinante foi considerado de 1a geração.

No final da década de 90, iniciaram-se pesquisas de terapia gênica para hemofilia A e B, algo que poderia revolucionar o tratamento. No entanto, as pesquisas clínicas não obtiveram resultados satisfatórios a longo prazo, pois os pacientes que participaram das mesmas, em algum tempo, deixaram de produzir o fator de coagulação conforme o esperado.

Durante os anos 2000, novas pesquisas levaram à descoberta e produção dos fatores de coagulação recombinantes, que foram considerados de 2a e 3a gerações.

Em 2010, as pesquisas com terapia gênica para hemofilia B já passaram a mostrar resultados mais positivos, e começaram as ser produzidos fatores de coagulação recombinantes de longa duração, ou seja, produtos cuja meia vida*
é maior que a dos produtos até então disponíveis.

Os fatores recombinantes de longa duração já são uma realidade e são comercializados em muitos países do mundo, mas ainda não são disponibilizados pelo governo brasileiro.

Em 2017, pesquisas desenvolvidas com terapias para o tratamento da hemofilia utilizando outras vias de administração, mostraram resultados muito animadores. Os produtos Emicizumabe e  Fitusiran despontam como alternativas de tratamento que vão revolucionar a terapêutica da hemofilia no mundo.

A terapia gênica, por sua vez, consiste na aplicação de um vírus modificado que transporta o mecanismo necessário para fazer o nosso organismo produzir o fator VIII ou fator IX. Esse vírus é chamado vírus adeno-associado, cuja sigla é AAV. Ele é um vírus inofensivo que foi modificado para funcionar em nosso organismo como se fosse uma “fábrica de produzir fator”. Quando esse vírus é aplicado, vai para o fígado onde começa a produção.

A partir deste momento, a pessoa será capaz de produzir o fator suficiente para prevenir sangramentos, evitando a necessidade de infusões recorrentes. A  expectativa é que essa capacidade de produção do fator seja constante e inalterada ao longo da vida daqueles que fizerem a terapia gênica mas ainda não há qualquer certeza a respeito disso.

Após o surgimento do Fator de coagulação Recombinante, apareceu o Fator Recombinante de Longa Duração, que é diferente dos anteriores em relação à meia vida.

A meia-vida do fator de coagulação é a quantidade de tempo suficiente para que 50% da medicação seja naturalmente eliminada pelo organismo.  É um tempo médio que pode variar dentro de uma determinada faixa para cada paciente.

Por exemplo: quando uma pessoa aplica uma dose de 1.000 unidades de fator, a meia vida é o tempo necessário para que essa quantidade diminua para 50%, ou seja, para que diminua para 500 unidades. Se nesse exemplo, o tempo gasto for de 8 horas, é dito que, naquela pessoa, a meia vida é de 8 horas. No entanto, esse tempo varia de pessoa para pessoa, sendo que em algumas esse período é mais curto enquanto que em outras, é mais longo.

Enquanto a meia vida do fator VIII varia entre 8 a 12 horas, o fator VIII de longa duração tem a meia vida variando entre 14 a 17 horas, o que significa 1.4 a 1.7 vezes a meia vida do fator de coagulação tradicional.

O fator IX de longa duração, aumenta a meia vida de 3 a 5 vezes o tempo do tradicional, dependendo da marca escolhida. Desta maneira, enquanto o fator IX tradicional tem meia vida de cerca de 14 a 17 horas, o de longa duração pode ter até 72 horas, fazendo com que alguns pacientes consigam permanecer sem sangramentos, realizando infusões com frequência muito menor, chegando até à frequência de uma infusão a cada 2 semanas.

Os fatores de longa duração permitem menor número de infusões e aumentam o nível basal de fator de coagulação no sangue, melhorando o regime profilático e favorecendo a adesão do paciente ao tratamento.

O Emicizumabe é um produto bem diferente do fator VIII. Essa medicação é um anticorpo monoclonal biespecífico que mimetiza (imita) o fator VIII, fazendo a mesma função deste no organismo. É uma medicação para uso em profilaxia, de administração subcutânea semanal, quinzenal ou mensal, para pessoas com hemofilia A, com ou sem inibidor. As primeiras pesquisas feitas com pessoas com e sem inibidor são para uso semanal ou quinzenal.

Resultados dos estudos clínicos demonstram que profilaxia com Emicizumabe em pacientes com hemofilia A com inibidor reduziu em 79% a taxa anual de sangramentos naqueles pesquisados, em comparação aos que fizeram profilaxia com agentes de by-pass. O medicamento já foi aprovado pelas agências reguladoras dos Estados Unidos (FDA) e da Europa (EMA) para pessoas com hemofilia A com e sem inibidor e já vem sendo comercializado nos EUA.

Os estudos do Emicizumabe para pessoas com hemofilia A sem inibidor utilizam infusões subcutâneas semanais ou quinzenais. O estudo clínico mostrou  uma taxa de sangramento significativamente menor nos pacientes que usaram o Emicizumabe em relação aos que não receberam nenhuma profilaxia e, numa comparação intraindividual, ou seja, com a mesma pessoa, a profilaxia com Emicizumabe mostrou uma taxa de sangramento significativamente menor com este do que com a profilaxia anteriormente realizada com fator VIII.

Tanto para pacientes com, quanto sem inibidor, trata-se de um medicamento somente para uso profilático, de modo que, se o paciente tiver um sangramento, este deve ser tratado com fator VIII (pacientes sem inibidor) ou com agentes de by-pass (pacientes com inibidor).  A interação entre este produto e o CCPA deve ser administrada com cautela, pois foram detectadas reações adversas tromboembólicas em pacientes que fizeram uso de ambos, concomitantemente, durante as pesquisas.

Acredita-se que esta nova terapia seja boa alternativa para tratamento dos pacientes, principalmente daqueles com inibidores, mas o potencial risco de eventos adversos, além dos já descritos nos estudos clínicos, como reações tromboembólicas, devem ser avaliadas com cautela.

O Fitusiran, ainda em fase de pesquisa, é uma substância que pretende aumentar o poder coagulante do sangue e que atua numa via especial da coagulação.

Existe um mecanismo de controle que equilibra a coagulação de maneira que o sangue não coagule, nem demais, nem de menos, como se fosse uma balança. Quando esse mecanismo falha, podem existir problemas como a trombose, que é o excesso de coagulação, ou a hemorragia, que é a ineficiência da coagulação, como ocorre na hemofilia.

O Fitusiram atua na via específica para deixar a coagulação excessiva em pessoas com hemofilia, com o objetivo de compensar a falta do fator VIII ou do fator IX.

É um medicamento para profilaxia de uso subcutâneo mensal, para pessoas com hemofilia A ou B, com ou sem inibidor. O estudo na fase II, indica uma redução de 80% nos eventos hemorrágicos.

Acredita-se que esta nova terapia seja boa alternativa para tratamento dos pacientes, principalmente daqueles  com inibidores mas, o potencial risco de eventos adversos, além dos já descritos nos estudos clínicos, como reações tromboembólicas, devem ser avaliados com cautela.

Desde de que os genes dos fatores VIII e IX foram clonados no início da década de 80, a terapia gênica para a cura da hemofilia passou a ser um sonho para muitos.

No final da década de 90, graças ao empenho dos pesquisadores, empreendedores e pacientes, 5 pesquisas clínicas tiveram início no mundo. Todas falharam, mas produziram importantes aprendizados. E estes aprendizados foram a base para o sucesso das pesquisas de terapia gênica que se têm noticia atualmente. Com a continuidade das melhorias nas pesquisas dos vetores virais, que levam o gene para a célula, houve o avanço dos resultados das pesquisas clínicas, tanto do fator VIII, quanto do fator IX, no início de 2016.

Níveis de fator IX, de aproximadamente 30%, e de fator VIII, de aproximadamente 100%, trouxeram a expectativa de que a terapia gênica pode se tornar realidade num futuro não tão distante.

A terapia gênica consiste na injeção de um gene do fator VIII ou do fator IX em um adenovírus-associado, que é um tipo de vírus de gripe que vai levar este gene até o núcleo de uma célula hepática (do fígado). Esse vírus é chamado de vetor e sua função é injetar o gene dentro do núcleo da célula do fígado, de modo que esta célula passe a produzir níveis contínuos do fator de coagulação. A partir deste momento, a pessoa será capaz de produzir fator suficiente para prevenir sangramentos, evitando a necessidade de infusões recorrentes.

A expectativa é que essa capacidade de produção do fator seja constante e inalterada ao longo da vida daqueles que fizerem a terapia gênica, mas ainda não há qualquer certeza a respeito disso.

Atualmente estão em andamento 2 pesquisas clinicas de terapia gênica para hemofilia A e 4 pesquisas clinicas de terapia gênica para hemofilia B.

Nas pesquisas clínicas de terapia gênica para hemofilia B, os percentuais de expressão de FIX são: 5,1%, 6,7%, 6,9% e 33%.

Nas pesquisas clínicas de terapia gênica para hemofilia A, os percentuais de expressão de FVIII são: 11 a 14% e 4 a 270%.

Consideram-se critérios de exclusão para a terapia gênica o fato do paciente ter anticorpos contra o adenovírus utilizado na terapia, ter HCV positivo e ser menor de 16 anos. A terapia gênica ainda não foi aprovada como tratamento e não se sabe por quanto tempo os pacientes que estão nestas pesquisas continuarão produzindo o fator de coagulação.

Apesar de não se tratar da cura, pois os descendentes dos pacientes que se tratarem com esta terapia continuarão tendo as mesmas chances de terem hemofilia, sabe-se que é a esperança de um tratamento que provavelmente mudará por completo a maneira como o mundo se deparará com a hemofilia.

DOE