O tratamento fisioterapêutico tem papel muito importante nas disfunções musculoesqueléticas que afetam as pessoas com hemofilia, pois 90% de todos os sangramentos dessas pessoas ocorrem no aparelho locomotor, sendo 80% dos episódios nas articulações e 20% nos músculos. Tais hemorragias podem ser decorrentes de traumas ou espontâneas e a hemorragia dentro da articulação (hemorragia intra-articular ou hemartrose) é considerada a principal causa de morbidade das pessoas com hemofilia.
Tratamento fisioterapêutico pós-sangramento
O tratamento desses sangramentos consiste, essencialmente, na reposição dos concentrados de fatores da coagulação. E o tratamento fisioterapêutico é indispensável, pois as pessoas com hemofilia, nestas condições clínicas, apresentam limitações de movimentos articulares e dor. Para esses casos, o objetivo da fisioterapia é aliviar a dor, auxiliar na reabsorção do sangue e evitar posições antálgicas do membro afetado, ou seja, evitar que o paciente utilize posições para evitar a dor, que podem prejudicar sua postura.
Os principais recursos fisioterapêuticos nessa etapa são:
- Aplicação local de gelo;
- Elevação do membro (braço, perna);
- Posicionamento adequado do membro;
- Eletroterapia;
- Indicação de órteses, quando necessário, como: talas, muletas, bengalas etc..;
- Exercícios isométricos* (sem o movimento articular) e ativo-assistidos, assim que tolerado pelo paciente.
Tratamento fisioterapêutico nas sinovites crônicas
Outra condição clínica na qual a fisioterapia tem um papel importante é nos casos de sinovite crônica. Após os episódios de sangramentos intra-articulares, a articulação afetada pode se tornar edemaciada (com acúmulo de líquido), com aumento de temperatura e com alterações intra-articulares, devido ao depósito residual de íons de ferro e outras substâncias nocivas às estruturas peri articulares*. Essa condição provoca uma alteração no metabolismo articular e leva à inflamação da membrana sinovial (que produz a substância responsável por lubrificar e nutrir os tecidos dentro da articulação) e gerando dor crônica.
Consequentemente, essa membrana tende a se tornar mais espessa e começa a produzir células anormais que favorecem a ocorrência de novos episódios hemorrágicos, criando um ciclo vicioso com consequente prejuízo estrutural a médio e longo prazo. Nas sinovites crônicas, a fisioterapia auxilia na melhora do processo inflamatório, dor, mobilidade articular e inchaço. Os principais recursos fisioterapêuticos nessa etapa são:
- Gelo;
- Eletroterapia;
- Hidroterapia (turbilhão, piscina);
- Exercícios ativo-assistidos, ativos-livres e/ou resistidos;
- Propriocepção.
Tratamento fisioterapêutico nas artropatias hemofílicas
A condição final de prejuízo articular é a instalação da artropatia hemofílica. Esse quadro clínico é irreversível e é o que se pretende evitar com o tratamento hematológico através das profilaxias.
Na artropatia hemofílica ocorre hipertrofia óssea que pode acarretar em discrepância de comprimento dos membros, deformidades angulares e alterações no contorno do esqueleto em desenvolvimento com consequentes alterações de marcha ou função (se membros inferiores). Ou seja, são as artropatias hemofílicas as responsáveis pelas deformidades físicas e dificuldades de locomoção que as pessoas com hemofilia que não tiveram a oportunidade de realizar o tratamento sem profilático apresentam. Como consequência do desuso do membro e da articulação, a osteoporose poderá desenvolver-se.
Nessa etapa, os principais objetivos e recursos fisioterapêuticos são:
- Exercícios de fortalecimento muscular;
- Alongamentos;
- Eletroterapia;
- Aumento na amplitude de movimento;
- Treino de marcha;
- Analgesia;
- Reeducação postural.
É importante ressaltar que o tratamento fisioterapêutico é indicado em todas as condições clínicas musculoesqueléticas na hemofilia. Normalmente, após 3-4 dias do episódio hemorrágico, a PCH pode gradualmente retornar com os exercícios cotidianos, sempre protegido com a reposição dos fatores de coagulação, segundo prescrição do médico hematologista.
Idealmente o tratamento fisioterapêutico deve ser feito por um profissional experiente em coagulopatias, que normalmente encontra-se em CTHs. No entanto, nem sempre isso é possível. Nesses casos, a sugestão é que o fisioterapeuta do centro tratador do paciente entre em contato com o profissional fisioterapeuta da cidade de origem do paciente e esclareça qualquer dúvida e oriente esse profissional a dar seguimento no tratamento.
A prática de musculação pode ser considerada, após um período de tratamento fisioterapêutico e, quando possível, pode substituir as sessões de fisioterapia. Mas sempre com acompanhamento periódico e em conjunto com educador físico e fisioterapeuta.
AS AVALIAÇÕES FISIOTERAPÊUTICAS
As avaliações fisioterapêuticas podem ser uma ferramenta para controle e acompanhamento do tratamento hematológico vigente nas pessoas com hemofilia, bem como um parâmetro de verificação da eficácia do tratamento fisioterapêutico. A frequência varia de caso para caso, mas, de um modo geral, o intervalo de 6 em 6 meses é suficiente.
A indicação de piora na saúde articular através das ferramentas de avaliação ao longo do tempo, podem sinalizar a necessidade de ajustes no tratamento hematológico, como as doses prescritas de fator de coagulação, baixa adesão à profilaxia, alterações no plano de conduta fisioterapêutica, entre outros.